sábado, 12 de abril de 2014

Carcavelos - Sul

Já todos sabemos que cada um de nós elabora as suas próprias representações da realidade. De si para si, cada indivíduo constrói ao longo do seu percurso de vida, os instrumentos através dos quais constrói a sua visão e interpretação do mundo: A cultura de que cada um é portador, as crenças, os hábitos mentais, as características de personalidade, a experiência de vida, o conhecimento acumulado, o método de análise e sabe-se lá mais quantos factores, funcionam conjugadamente como uma espécie de óculos através dos quais a nossa visão da realidade ganha contornos próprios e diversos para cada pessoa.
Embora o nexo não seja óbvio, vem isto a propósito do chamado Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação Urbanística de Carcavelos-Sul. (PPRUCS).



Para uma boa parte dos respectivos defensores, aquele projecto representa e promove aquilo que entendem por "progresso" e "desenvolvimento".
A sua visão da realidade é essa e ao proporem aquela grandiosa iniciativa imobiliária entendem que estão a trazer o tal "progresso" a Carcavelos, agindo de acordo com a sua representação pessoal sobre o que é o bem comum.
Já para muitos moradores locais e utentes das áreas abrangidas- seguramente os mais de três mil que já assinaram a petição a opor-se - a realização de tal projecto não constitui progresso, mas antes um retrocesso.
Mais: não representa desenvolvimento mas antes atraso.
Se formos ver atentamente as razões evocadas, destacam-se:
A diminuição da qualidade de vida para os habitantes, utentes e visitantes locais ao verem-se dia a dia mais cercados de betão e asfalto e separados dos elementos naturais; A inerente destruição paisagística e ambiental que torna o projecto um verdadeiro atentado; A descaracterização de uma vasta área, que ao multiplicar o edificado se desvaloriza como polo de interesse turístico ( e logo económico).
Sim, entenda-se: Ninguém vem de outros países visitar esta zona privilegiada do ponto de vista paisagístico, para permanecer em locais cercados de prédios, asfalto e construções múltiplas, semelhantes às que existem em todo o lado. A ausência ou escassez de construções é um dos trunfos da paisagem de Carcavelos e S.Julião, realçando a beleza natural da zona litoral, uma beleza cada vez mais rara e por isso mesmo procurada.
Este é pois um daqueles casos em que partindo da mesma realidade, vista por observadores diferentes, resultam visões diametralmente opostas e - quero crer -igualmente sinceras, pelo menos em muitos dos protagonistas deste debate.


Olhando atentamente para o projecto que se encontra em fase de discussão pública, prevê-se a ocupação de uma área de 54,00 ha, que incluirá: um "Parque Urbano" de dimensão relevante ( seja lá o que isso for...); A manutenção e valorização do conjunto de edifícios da Quinta dos Ingleses; A instalação de um "empreendimento multifunções" que incluirá fins habitacionais, comerciais, hoteleiro e "outros serviços"; Um Centro de Saúde; Uma Escola do ensino Pré-escolar e 1.º Ciclo; Um Campo de Jogos com bancadas; (!!) Um Campo de Jogos sem bancadas; Um Centro paroquial (!!) com centro de dia; Um Centro de Treino Gímnico; Um Equipamento cultural - não especificado; Um Ninho de Empresas (!!!!); Alterações na rede viária local; A construção de estacionamentos de apoio à praia. É caso para perguntar o que é que este projecto não se propõe edificar  na área por ele abrangida.



Perante uma tão diametral oposição entre estas visões sobre uma mesma realidade que alternativas restam aos decisores autárquicos?
Em primeiro lugar não podem assumir o papel de deuses que decidem na sua omnisciência como vai ser a vida das pessoas, sem considerar previamente a sua opinião, muito menos arrogar-se o direito - por terem sido eleitos - de saber em todos os casos o que os munícipes precisam e desejam. Há que saber o alcance e os limites da soberania conferida pelo ato eleitoral e respeita-los. 
A menorização dos contributos da cidadania nos processos de decisão, nomeadamente em assuntos de interesse publico, é um dos factores que mais tem contribuído para o alheamento e a indiferença a que hoje se assiste por parte de muitos eleitores portugueses. Esse estilo de governo autárquico, alheado da cidadania, corresponde a um conceito ultrapassado e minimalista da democracia, que circunscreve o papel dos cidadãos ao exercício do direito de voto, ao mesmo tempo que maximaliza a vontade do governante em prejuízo da vontade dos cidadãos.
No caso de Carcavelos-Sul, perguntar-se-à o que há a fazer. 
Qualquer solução terá de passar por ouvir todos os sectores da cidadania local, ponderar as razões em presença e encontrar denominadores comuns, ou seja, encontrar os aspectos do projecto que sejam aceitáveis para todos, ou para uma maioria alargada. 
Esta deve constituir uma primeira e incontornável parte do processo. O interesse de moradores, utentes, visitantes, empresários locais e promotores do projecto deve ser considerado e a decisão não pode opor-se à vontade da maioria que for apurada. 
O que não parece favorecer em nada o projecto é o facto de a autarquia aparecer desde o primeiro momento ligada a um dos interesses em presença, em vez de se manter equidistante, já que está mandatada para defender o interesse de todos os habitantes do concelho e não somente os envolvidos no negócio. 
A posição de partida do executivo municipal da autarquia tem origem num preconceito ideológico muito em voga: "O que é bom para os negócios, é bom para a economia logo é bom para todos". 
Como dizia o poeta António Aleixo, "Para a mentira ser completa /e atingir profundidade / deve levar à mistura/ um pouquinho de verdade." Senão, veja-se: O empresário pensa na rentabilidade e nas mais-valias do seu empreendimento. Já o titular de um cargo político tem de pensar em sustentabilidade, em futuro, em bem comum, em vontade da maioria, em interesse público, em emprego, em harmonia social, em direitos dos cidadãos e no bem-estar das comunidades em território da sua jurisdição.
Portanto, a Câmara Municipal de Cascais deve rever urgentemente o seu posicionamento neste processo e mostrar um pouco mais de isenção em relação aos grupos nele interessado.
É que, como já alguém disse, "em política o que parece é" .
Ou será que já era, antes mesmo de parecer?

Carlos Silva

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