segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Em Cascais tudo na mesma

Em Cascais tudo na mesma. Passa o tempo e persistem os mesmos problemas sobretudo para quem habita fora dos principais centros urbanos do concelho, nas largas dezenas de pequenas localidades de Cascais.
Problemas para as pessoas se deslocarem, com o serviço deficiente dos transportes públicos,a falta de articulação de horários entre CP e Scotturb, a ausência de estacionamentos para servir o acesso às estações e aos centros das localidades, a falta de passeios pedonais e a degradação dos existentes, os preços elevados dos transportes públicos rodoviários.
Ai de quem se desloque a pé em localidades como Areia, Birre, Malveira, Trajouce, Murches ou tantas outras do nosso concelho: Terá que caminhar por entre o trânsito, em bermas inclinadas, enlameadas, irregulares e escorregadias onde o peão está constantemente exposto a acidentes devido à ausência de passeios que lhe garantam condições mínimas de segurança.  Num tempo em que as autoridades de saúde promovem os benefícios das caminhadas, torna-se impossível a muitos cidadãos percorrer pelo seu pé os escassos quilómetros que medeiam entre tantas localidades do concelho de Cascais: 
Passeando nas ruas de Alcabideche, este grupo não tem alternativa: Tem que caminhar no asfalto porque não existem passeios.
Faltam os passeios que garantam uma circulação pedonal segura, sendo os peões forçados a um “convívio” demasiado íntimo com veículos que se deslocam a 40, 50 e 60 km/h e que lhes passam frequentemente a centímetros de distância. É assim, por exemplo, na estrada que liga Areia a Birre, Malveira a Janes, Pisão a Alcabideche, sendo assim também na via que a partir desta sede de freguesia faz a ligação com a rotunda condes de Barcelona, no Estoril, para citar apenas alguns exemplos.
No nosso concelho, a atividade comercial continua em declínio, com variadíssimos estabelecimentos a encerrar e uma notória redução do comércio de proximidade. Quem não disponha de veículo próprio para se deslocar a uma grande superfície, está em clara desvantagem: Ou espera longos períodos por transportes públicos caros e irregulares, ou vai a pé tantas vezes por mau caminho, tendo que carregar o peso das compras. É esta a vida de muitos dos residentes aposentados, com magras reformas, enfrentando sérias dificuldades económicas que os impedem de se deslocar de outra forma.
Nos bairros e nas pequenas localidades, rareiam os espaços públicos vocacionados para o encontro entre moradores, para o diálogo e a comunicação, sem os quais fica grandemente dificultada a vivência comunitária, ou o simples encontro e comunicação entre moradores. Uma comunidade para ter vida própria tem que ter espaços próprios onde compareça e se encontre. Espaços com um mínimo de condições: Dotados de mobiliário urbano, de sombra e de abrigo, de fontanários, de árvores e floreiras, de bancos, de placards informativos, de eventos e de proximidade em relação ao comércio local e aos serviços, para que possamos ver praças, largos e jardins públicos povoados de cidadãos, em interação e sã convivência, onde os mais solitários possam encontrar companhia e a troca solidária possa fluir, onde crianças possam dispor de espaço vital, para correr e brincar em segurança e onde a palavra comunidade possa reforçar o seu sentido.
A centenária Murtalense mostra dinamismo e apresenta muita actividade, mas no concelho várias associações e colectividades lutam para sobreviver por falta de apoio ao seu meritório trabalho
As colectividades desenvolvem com dificuldade o seu importante papel de pólos de dinamização cultural, desportiva e recreativa. Muitos dirigentes de colectividades sentem-se desapoiados pela sua autarquia e vêem-se obrigados a reduzir as suas actividades. Ao mesmo tempo, largos sectores da juventude queixam-se de falta de alternativas para a ocupação de tempos de lazer e de espaços de encontro e convívio.
Enquanto entidades colectivas, as comunidades de moradores encontram-se fragilizadas pelo estilo de vida que faz do local de residência apenas dormitório e por uma mentalidade de “cada um por si”, que ignora o “nós” e sobrevaloriza o “eu”.
Na saúde nada se faz a nível local para contrariar a tendência nacional de redução dos serviços assegurados pelo SNS. Milhares de pessoas em Cascais não possuem médico de família atribuído e continuam a esperar largos meses por consultas de diversas especialidades. Qual o papel dos representantes da autarquia que participam na direcção do agrupamento de centros de saúde do concelho de Cascais?
O que se espera da autarquia?

Que governe para as pessoas que aqui vivem, de acordo com os seus interesses, para lhes tornar a vida menos difícil e menos pesada, ou que governe para a satisfação de interesses particulares e de grupo?

Carlos Augusto Silva

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Devo ser burro

Devo ser burro, porque não consigo perceber a diligência e a competência do Banco de Portugal (BP) e do Governo no caso da falência fraudulenta do Grupo Espírito Santo (GES)/Banco Espírito Santo (BES).
Talvez um resumo cronológico dos acontecimentos me ajude a ver a apregoada excelência dos envolvidos.
Ainda o Dr. Vitor Gaspar era ministro das finanças (há bem mais de 1 ano) quando avisou o Dr. Ricardo Espírito Santo Salgado (presidente do BES) para não  falar da dívida pública portuguesa, porque ele também poderia falar da dívida do GES/BES.
Isto demonstra que o governo sabia do enorme endividamento do GES/BES, mas não passou pela cabecinha de quem nos governa (incluindo supervisores, reguladores, auditores e outros doutores) que um grupo económico em graves dificuldades financeiras, mas com o  controlo de um banco, iria ter a tentação de pôr o banco a tapar os buracos do grupo.
Em setembro de 2013, um grande acionista das holdings de topo do GES (Pedro Queirós Pereira) denuncia ao BP, a ocorrência de graves irregularidades e só então acharam que talvez fosse boa ideia olhar para o que passava, mas com calma e discrição, porque banqueiros tão ilustres são boa gente.
Descobriu-se então que o BES vendia aos seus balcões um fundo de investimento, chamado Espírito Santo Liquidez, que tinha aplicado 1,7 mil milhões de euros (a quase totalidade dos seus ativos) na dívida do GES.
Esta gestão era muitíssimo arriscada para os clientes do BES (nunca se colocam os ovos todos no mesmo cesto) e o Dr. Carlos Costa, governador do BP, ordenou que tal situação fosse corrigida, mas não se lembrou de ver como é que o GES iria tapar tão grande buraco.
Soube-se depois que o Dr. Ricardo Espírito Santo Salgado recebia “prendas” de 14 milhões de euros que, através da Akoya, firma especializada em gestão de fortunas (vulgo, branqueamento de capitais e fuga aos impostos), colocava em offshores no estrangeiro e que corrigia a sua declaração de IRS por três vezes, porque se esquecia desses milhões. Mas nada disso foi suficiente para o BP colocar em causa a sua idoneidade para gerir bancos.
Durante o aumento de capital do BES, ocorrido entre maio e junho, descobriu-se que a Espírito Santo International (ESI) falsificava as contas, pelo menos, desde 2008, havendo um buraco de 1,3 mil milhões de euros, que não constavam do balanço.
Mas nem isto foi suficiente para travar esse aumento de capital, que foi um autêntico roubo feito á maioria dos investidores, roubo esse feito com a cumplicidade dos reguladores.
Também não serviu para a distituição imediata da administração do BES, como se impunha a quem falsifica contas.
 Por essa altura, o Governador do BP, a Ministra das Finanças, o Primeiro-ministro, o Presidente da República, todos os analistas económicos e financeiros, não se cansavam de nos dizer que o GES e o BES eram coisas diferentes. Que o GES estava mal, mas que o BES estava bem, que era um banco muito sólido, com rácios de capital muito acima do exigido por lei.
Ainda na sua audição parlamentar em 18 de julho, o governador do BP explicava que o BES estava bem capitalizado, com uma almofada financeira de 2,1 mil milhões de euros, que a exposição ao GES era de 1,2 mil milhões, bem abaixo da almofada existente e que havia privados interessados em investir no BES, pelo que, correndo tudo mal, a solvência do BES estava assegurada.
Nem se lembravam do buraco enorme do BES Angola (BESA) em que cerca de 80% do crédito concedido, era crédito mal parado (metade do qual nem sabiam bem a quem o tinham concedido) e a quem o BES tinha emprestado mais de 3 mil milhões de euros, que não iriam (nem vão) ser pagos.



Quando na noite de 30 de julho, 4ª feira, foram divulgados os resultados do primeiro semestre de 2014, os prejuizos eram de 3.577,3 milhões de euros, a almofada financeira tinha desaparecido, os privados interessados em investir no BES esfumaram-se e o banco estava a caminho da falência.
Na 5ª feira, dia 31 de julho, as ações do BES cairam 40%, na 6ª feira, dia 1 de agosto, voltaram a cair outros 40% e, mais grave, o Banco Central Europeu (BCE) cortou o acesso à liquidez e exigiu a devolução de 10 mil milhões de euros, no prazo de 3 dias, ou seja, até 2ª feira dia 4 de agosto.
Se nada se fizesse, o BES na 2ª feira, dia 4 de agosto, entraria em incumprimento e arrastaria todo o sistema financeiro, como reconheceu o governador do BP na passada 5ª feira, dia 7 de julho, ao dizer que “estávamos em cima do fio da navalha”.
Acossados pelo BCE, o BP e o governo finalmente foram forçados a agir.
Devo ser burro, porque continuo sem perceber como é que deixando chegar a situação ao que chegou, se pode considerar que o BP fez tudo bem.
Acredito que, perante a tragédia anunciada, a solução encontrada (fechar o BES com os seus ativos tóxicos” e criar um novo banco) foi a menos má das soluções possíveis, mas todo o caminho seguido até à sua inevitabilidade, está cheio de negligências, subserviências e incompetências, que nos vão sair muito caras.
Devo ser burro, porque não percebo a perplexidade do Dr. António Pires de Lima, ministro da economia, que diz que o que se passou no BES e na PT  (que meteu no GES 897 milhões de euros, quando já se sabia que iam a caminho da falência) é inexplicável.
É até muito fácil de explicar.
O BES e a PT foram saqueados por quem os estava a administrar, confirmando a velha máxima de que “a melhor maneira de assaltar um banco é administrá-lo”, sem que ninguém na regulação e na supervisão visse.
Devo ser burro, porque não compreendo a desfaçatez da posição do governo, que mente com quantos dentes tem na boca, relativamente aos custos da solução encontrada.
Na 2ª feira, dia 4 de Agosto, a Drª Maria Luís Albuquerque, ministra das finanças, veio à televisão dizer que a solução encontrada é da responsabilidade do BP (como se uma decisão que envolve dinheiros públicos pudesse ser tomada à revelia do governo) e que é a que melhor defende os interesses dos depositantes do BES, dos seus trabalhadores e dos contribuintes.
Acredito que os depositantes estão salvaguardados.
Quanto aos trabalhadores  ver-se-á, mas não é preciso fazer muitas contas para perceber que os despedimentos que ocorrerão a curto e médio prazo no Novo Banco serão da ordem dos milhares, pois  este é significativamente mais pequeno que o BES.


Quanto aos contribuintes é completamente falso o que o governo tem dito, que não há dinheiros públicos envolvidos, não só porque o dinheiro emprestado ao Fundo de Resolução (FR) é dinheiro emprestado pela Troika ao Estado português, que os portugueses terão de pagar, mas também porque o dinheiro do FR é dinheiro público.
O FR está incluído na lista dos organismos da administração pública, as suas receitas são provenientes de impostos sobre o setor bancário e as suas despesas entram nas contas públicas e afetam o défice.
É por isso  que a Ministra das Finanças assumiu que, na eventualidade do Novo Banco não ser vendido até ao fim do corrente ano, isso afetaria o défice previsto para este ano.
Não deixa de ser curioso que a ministra tenha dito que esse agravamento do défice é apenas estatístico, sem consequências na austeridade.
 Parece que o défice só é gravoso quando decorre de despesas com as escolas, os hospitais, os salários e as pensões.
Quando é por causa dos bancos não há problema nenhum com o défice.
O governo tem estado a vender aos portugueses a tese que não há dinheiros públicos envolvidos e que não há risco para os contribuintes, mesmo que o Novo Banco seja vendido por um valor abaixo daquele que agora lá foi metido (que é o que vai acontecer) porque será sempre o FR a pagar.
Devo ser burro, porque não entendo a tese de que os impostos dos portugueses são receita pública, que o Estado gasta como entender, mas que os impostos dos bancos não são receita pública, mas receita cativa de um Fundo que será gasto com os próprios bancos.
Mas ainda que o FR fosse dinheiro dos bancos (que não é) é preciso não esquecer que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) é um banco público com cerca de 25% do sistema financeiro, pelo que será sempre ao património dos portugueses que caberá pagar a conta.
Além de que, se os bancos forem obrigados a contribuir mais para o FR (como vão ser), não deixarão de repercutir esse custo nos seus clientes, aumentando comissões e taxas de juro dos seus financiamentos.
Sejamos claros.
Os crimes cometidos pela administração do GES/BES, com a conivência do BP e do governo vão ser pagos com língua de palmo pelos portugueses.
Vão ser despedidos milhares de trabalhadores, não só nas empresas do GES e do  Novo Banco (ex-BES), mas também  em muitas empresas clientes do BES que foram “persuadidas” (ou mesmo coagidas) a comprarem dívida do GES e que agora perderam todos esses investimentos.
O Novo Banco vai ser vendido à pressa, (na totalidade a um banco estrangeiro, ou às postas a outros bancos já instalados em Portugal) por muito menos do que agora lá foi metido e seremos nós (direta ou indiretamente) a pagar  a diferença.
O crédito á economia será mais escasso e mais caro, dificultando ainda mais a retoma do crescimento do país.
A confiança dos  investidores foi completamente arrasada e quando for necessário mais aumentos de capital nos bancos ( e acreditem, vão ser necessários mais aumentos de capital), só os especuladores, em condições muito gravosas para a nossa economia, aceitarão participar.
O governo e o BP deixaram destruir um grande banco português (com cerca de 20% de quota de mercado) aumentando ainda mais a nossa dependência do mercado financeiro exterior.
Eu não sei se sou burro, mas lá que o governo acha que os portugueses o são, lá isso acha.
Temos de lhe demonstrar que está enganado.
José Batalha

Alcabideche, 10 de agosto de 2014

domingo, 10 de agosto de 2014

Um povo (...)

Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. […]Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter,havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida públicaem pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia,da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime doPaís. […]

Guerra Junqueiro, in Pátria (1896)



Publicação de Arco-Iris