segunda-feira, 7 de abril de 2014

Alcabideche

Quando eu era miúdo, Alcabideche ficava quase no fim do mundo. Era aquele local longínquo onde as pessoas iam comer, principalmente aos fins de semana, nos restaurantes que eclodiam nas travessas, nas ruas estreitas e nos pequenos largos, mas nunca em praças amplas ou num centro histórico, pois isso foi coisa que nunca existiu.


Quando já era adolescente, Alcabideche permaneceu no mesmo estado social e arquitetónico, mudara apenas o relevo que alguns homens dedicados ao estudo da evolução histórica do concelho, como Guilherme Cardoso, conseguiram dar ao poeta islâmico, aos moinhos e aos ventos.
A partir dos anos noventa do século passado chegaram em força os serviços e o comércio. O centro económico do concelho tendeu a fugir da beira-mar, como se as praias lhe fossem desfavoráveis. A freguesia cresceu demograficamente, ultrapassando o Estoril e Carcavelos e equiparando-se a Cascais. No entanto, embora os políticos devessem ter pressionado as decisões municipais, para que esta terra deixasse de ser o lugar dolorosamente secundário que sempre foi mas que agora está, claramente, desajustado em relação ao seu estatuto económico e social.
Quem passa no centro de Alcabideche e vê o estado dos passeios e das casas, a fealdade do largo e a ausência de plantas pode pensar que a única função daquela rua é conduzir ao shopping.
O antigo restaurante do Tirano continua esquecido, a avançar aceleradamente para a ruina e o desabamento. Talvez, numa destas noites, caia com estrépito e acorde todos os cidadãos desta terra. Um espaço daqueles pode ser aproveitado para o bem comum.
Se formos às outras localidades, deparamos com o mesmo panorama deprimente. O centro de Manique é um bom exemplo.
Por cada milhão de euros aplicados pelo município em Alcabideche quantos são aplicados nas freguesias à beira-mar, especialmente em Cascais? É bom que os cidadãos eleitores comecem a exigir mais dos políticos que elegem e deixem de eleger aqueles que não tem cumprido a sua missão. Têm direito, como os outros, a museus, bibliotecas, parques, equilíbrio urbanístico, apoio aos mais desfavorecidos, ou seja, ao bem-estar social. 
Não pode haver bem-estar social em localidades onde as pessoas apenas podem sair à rua se andam coladinhas às paredes, para não serem atropeladas, e se querem um local aprazível têm de procurá-lo na sua imaginação.
António Costa



Nota editorial: este artigo foi escrito em Agosto de 2013, pelo que algumas situações teriam sido agora por certo descritas de modo diferente. No entanto a essência é atual.

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