quarta-feira, 7 de maio de 2014

O desacordo ortográfico

Em nome do amor e respeito a esta língua, que tão bem nos serve e expressa, continuaremos escrevendo como nos foi ensinado. 
Porque este acordo nos oprime diminui e entristece, resolvemos escrever, a quatro mãos, algumas 
linhas sobre este assunto:
Ler e deparar com a língua mutilada, desdentada, onde faltam letras, se confundem 
significados e se baralham sons...
Uma língua diminuída, atamancada e regredida de uma só penada; uma língua que regrediu por 
decreto; decreto que imediatamente se cristalizou em manuais... E porquê?


Não porquê mas para que, fosse fácil, fingisse ser outra... para que os portugueses entendessem 
finalmente que_nada daquilo a que chamam seu lhes pertence, mas antes é propriedade de quem os 
governa.
Alguém teve o poder para mudar a nossa língua, sem qualquer consulta séria ou discussão. A língua! 
A suprema alquimia de um povo! 
E que fazem os portugueses perante tal atentado? Obedecem. Imediatamente. 
Totalmente. Nos jornais, livros, blogues... Os portugueses obedecem. Cega e totalmente. E mesmo 
observando o desnorteamento e tristeza profunda de muitos dos seus compatriotas, continuam 
obedecendo. À esquerda e à direita poucos são os cidadãos quepodendo, falam sobre este assunto, 
este pesadelo, esta demonstração máxima da prepotência e ignorância que nos domina.
Ah povo ajoujado e manipulável.
Que esperas tu que te aconteça, se nem para defender a tua língua mãe te ergues?
Aqui seguem alguns argumentos, pedimos que reflictam sobre eles e os acrescentem, de forma a que 
voltemos a este assunto, aprofundando-o.
Custa muito, perceber que esta mutilação da nossa língua é feita sem qualquer benefício. Os que a isto 
respondem que o acordo é feito por causa da «necessidade de uniformização do português» estão a ser 
falaciosos: justificam o acto com uma necessidade, quando essa necessidade é o que que fica 
justamente por provar. Uniformizar porquê, para quê? Vale a pena lembrar que os ingleses, os 
norte-americanos, os australianos, se entendem perfeitamente, e que as diferenças no modo como 
cada um adapta a si a língua são um enriquecimento, não um empobrecimento?

O português de Portugal é a fonte, e enquanto tal deveria permanecer como 
uma referência. Qual a importância de haver uma referência? É fundamental. É imprescindível quese possa recorrer a um modelo que transporta em si os sinais da origem. Deve haver um 
respeito pela etimologia das palavras, pela história da sua formação, sem o qual a língua se torna 
unicamente um instrumento. Sem História, sem tradição, sem identidade. Sem força.

Significa isto que a língua não pode transformar-se? Que faria sentido escrevermos ainda "pharmacia"? 
Não. Significa simplesmente que essa transformação deve ocorrer naturalmente, em vez 
de ser imposta em nome de uma estratégia política; e que registar a mudança, exige uma 
coerência e um suporte científico que faltaram completamente neste acordo. Assistimos a uma simplificação arbitrária, a um desbastamento, sem razão, de acentos e de consoantes mudas, imposto certamente por pessoas que não compreendem o sentido desses acentos ou dessas consoantes, e para quem escrever "ata" (verbo atar) não é diferente de escrever "ata" (substantivo: a 
acta de uma reunião).

Mais do que isto, a simplificação arbitrária de uma língua corresponde a um afunilamento que terá 
consequências: 1. Na oralidade dos portugueses, a médio prazo, para começar. No caso de um povo 
que_já tende a fechar as vogais, "espetador" [espectador] ou receção [recepção]
acabarão_por ser pronunciados exactamente como "espetador" [o que espeta] e 
"recessão". Mas também, 2. Consequências intelectuais: a falta de exigência e de rigor, o uso de um_instrumento abastardado e rudimentar, em vez de uma língua rica e 
carregada de  subtileza, é uma forma de estupidificação. 

Por todo o país se começa a escrever já segundo esta absurda imposição. Como se 
fosse normal. 
Como se não houvesse alternativa. "Tem de ser", diz-se. "Não há retorno", ouve-se.
Como se fosse mais importante cumprir uma lei inculta, do que a própria cultura. 

Não há retorno? Talvez sim. Talvez valha a pena resistir. O português merece-o. 
Talvez a solução seja seguir a língua, isto é: desobedecer. Desobedecer ao  acordo. Discordar na prática. Por outras palavras: escrever bem.
  
Gil Duarte e maria morais

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