domingo, 31 de maio de 2015

Para além do Aga Khan…

Pedi ao Prof Eugénio Sequeira que comentasse a notícia publicada no DN em 29-05-2015, intitulada: 
"Cancelado projeto urbanístico que incluia Academia Aga Khan em Cascais" (texto transcrito abaixo para compreensão do contexto).
Seguem os seus comentários.
O problema “Não é o Aga Khan, mas sim o PDM. O Aga Khan e a Academia Islâmica ainda era possível aceitar desde que se salvaguardassem as mais valias ambientais, melhor dizendo os Serviços Chave para a comunidade como a recarga dos aquíferos, a redução do risco de Cheias”. De facto:

1- A impermeabilização e a destruição da REN (Rede Ecológica Nacional) põe em causa a Directiva Quadro da Água (Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000) que é o principal instrumento da Política da União Europeia relativa à água, estabelecendo um quadro de acção comunitária para a protecção das águas de superfície interiores, das águas de transição, das águas costeiras e das águas subterrâneas. Foi transposta para o direito nacional através da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro.

1.1 Quantidade e Qualidade da água
Também não respeita a Directiva 2006/118/CE, de 12 de Dezembro), transposta pelo Decreto-Lei n.º 208/2008, de 28 de Outubro.
Toda a zona entre a Ribeira das Vinhas (ou da Mula) e a praia do Guincho, é uma zona turística, que inclui enormes zonas de vivendas, com jardins, dois campos de golfe, inúmeras piscinas etc. e o abastecimento de água  para rega é proveniente de furos que se abastecem das infiltrações das zonas cársicas do Batólito eruptivo de Sintra e a superfície – Calcários do Cretácico e do Jurássico.

Calcula-se, por estimativa das áreas que o consumo de água será de 9 hm3 por ano, que são extraídas desse recurso.

O excesso de consumo, baixando o nível piezométrico do aquífero tem o risco de agravar a intrusão salina, que já se faz sentir nos jardins mais perto da costa.

A impermeabilização reduzindo ainda mais a recarga, para além da enorme perda causada durante os últimos anos pelo acréscimo constante das zonas urbana deverá ser totalmente interdita nestas zonas. De facto, por ano em média devem ser perdidos mais de 100 a 200 mm por metro quadrado, de superavite (recarga da água de drenagem, Mendes & Bettencourt, 1980)  que equivalem a  4000 a 8000 m3 que escoam ao longo do ano, à superfície.

Todos estes efeitos serão agravados com as alterações climáticas e deverão merecer um estudo de pormenor, tendo em conta as condições micro-climatológicas , a cartografia e caracterização dos solos e níveis piezométricos das zonas afectadas.

De qualquer forma no PDM anterior este aspecto estava acautelado como REN e RAN e outras classificações referidas no ponto 1.2, que asseguravam um nível de protecção elevado  prevendo estes efeitos.

1.2- Risco de Cheias
De facto  a zona em causa está na nascente e na zona montante da ribeira dos Mochos em Cascais, sendo a única zona da bacia  que não está construída.
Toda a água resultante da pluviosidade na bacia, ou escoa pela Ribeira que sai na praia de Sta Marta, ou se infiltra na zona cársica que abastece o freático.

 Tirando a zona do Parque da Ribeira dos Mochos, o restante curso da ribeira está urbanizado, havendo troços em Birre canalizados e com curso com 1 m de largura entre parede. Trata-se de uma linha de água com cerca de 12 km de extensão numa bacia  que no ponto mais largo, exactamente na cabeceira, na zona que se pretende urbanizar terá cerca de 3 km de largo, mas cuja parte mais estreita  terá menos de 1km.

A impermeabilização do seu curso, tem aumentado o risco de cheia desde o Parque Gandarinha, o Campo Hípico, a e em especial a zona a montante da Avenida 25 de Abril, no Parque do Rio dos Mochos, no Bairro do Rosário, em Birre, o que se irá agravar ainda mais, com a enorme impermeabilização que a classificação  da proposta revisão do PDM permite.

De facto trata-se de um a Classificação que permite impermeabilizar até 146.000 m2  de construções mais as outras impermeabilizações acessórias, nomeadamente as infra-estruturas viárias.

Para uma chuvada intensa (deveria ser calculado o tempo de concentração desta linha de água que será certamente inferior a 1 hora) ,  portanto entre 30 e 50 mm/h (Brandão, C e tal., 2001), o que, considerando a capacidade de retenção de uma zona de pinhal, mato e solo de materiais calcários (Luvissolo ou Fluvissolos, nas zonas cársicas –REN e aluviões na parte plana ) e de infiltração  que variará de 50 mm/h a 65/mm/h ( 15 mm retidos na copa e folhada e taxa de infiltração no solo variando de 35 a 50 mm/h - dados adaptados de Martins, 1989).

Assim a impermeabilização irá acrescer o caudal do pico da cheia a escoar de 1000 a 2000m3 por hora  (mais 0,3 a 0,5 m 3 s -1) que não poderá ser suportado pelos estrangulamentos na Av. 25 de Abril, Hipódromo, etc.

Seria necessário efectuar um estudo e adaptação das infra-estruturas para suportar os caudais ao longo dos últimos 6 km do curso de água.

Portanto esta alteração do PDM põe em causa a Directiva da Avaliação e Gestão dos Riscos de Inundações (2007/60/CE de 23 de Outubro) Decreto-Lei nº 115/2010 de 22 de Outubro

1.3- Destruição do Recurso Solo

O solo é uma delgada interface entre a Litosfera e a Atmosfera, recurso natural perecível, base de toda a vida terrestre, que nos ecossistemas naturais tem as seguintes funções (UE, 2002 , 2006 a, 2006 b) :

• Sustentação física, fornecimento de nutrientes e água às plantas
• Substrato e habitat para os organismos do solo
• Sistema de transformação filtro e tampão, regularizador do ciclo hidrológico, condicionador da quantidade e qualidade da água
• Balanço do calor, regularizador do clima.

Não é admissível a destruição de um recurso que na região está salvaguardado pela RAN (Reserva Agrícola Nacional) , e que se ponha em causa  a Estratégia Temática para a Protecção do solo (“Brussels, 16.4.2002. COM(2002) 179 final.. 28 pp”) numa revisão do PDM efectuada exactamente no ano internacional do solo e quando se aguarda uma Directiva para a sua protecção ."

Eugénio Sequeira

(Comentários solicitados ao Prof. Eugénio Sequeira por Paulina Esteves, sobre a notícia,
"Cancelado projeto urbanístico que incluia Academia Aga Khan em Cascais
O terreno onde iria ser construído o projeto da fundação Aga Khan
Fotografia © Diana Quintela / Global Imagens
Em causa estava um projeto de construção numa área total de cerca de 160 mil metros quadrados em zona que está atualmente classificada. 
Um projeto urbanístico que previa a construção de uma academia da Fundação Aga Khan, na zona do Guincho, em Cascais, afinal não vai acontecer, disse hoje à Lusa o presidente da autarquia.
O presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras, revelou que "não houve entendimento" entre a Fundação Aga Khan e o proprietário dos terrenos, Norfin, dentro do prazo previsto para esse efeito, em janeiro.
Em março do ano passado, o representante da Fundação Aga Khan em Portugal, Nazim Ahmad, manifestou "receio" de que o projeto, que previa um investimento de cerca de 100 milhões de euros, não avançasse, devido à polémica em torno dos terrenos destinados para o projeto.
Em causa estava o facto de os terrenos destinados à construção da academia, a norte da estrada de Birre-Areia, estarem classificados quase na totalidade, de acordo com o atual Plano Diretor Municipal (PDM) de Cascais, como sendo de baixa densidade de construção e abrangem algumas áreas inseridas na Rede Ecológica Nacional (REN) e na Rede Agrícola Nacional (RAN).
A polémica ainda persiste, com os partidos da oposição na Câmara de Cascais e os movimentos cívicos a contestarem os projetos previstos no novo PDM local para Birre, Aldeia de Juzo e Areia.
"A oposição deveria estar mais atenta em vez de estar a inventar casos. O prazo do memorando terminou em janeiro e o projeto não vai para a frente. Andam desatentos", afirmou Carlos Carreiras.
O projeto, pensado desde 2005 e objeto de um memorando assinado com o governo português naquele ano, já teve vários destinos possíveis em Portugal, entre os quais Sintra, Oeiras e Cascais, e foi disputado também pelas Câmaras de Almada e Seixal.
Em causa estava um projeto de construção numa área total de cerca de 160 mil metros quadrados e um investimento que iria gerar emprego para cerca de 500 pessoas, na quase totalidade portugueses, e que iria valorizar as áreas a envolvente da academia."

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