Vidas com lugar ao sol: “Não há fome! Não acredito que há fome!”
“Não há fome! Não acredito que há fome!” Repetida veementemente, esta frase ecoava hoje
no paredão de Cascais numa manhã solarenga, entre um grupo de pessoas que conversava ao
sol. Era uma voz feminina, de cerca de 70 anos, faixa etária das restantes mais de dez pessoas
que ali confraternizavam.
Gentes satisfeitas com a sua vida tranquila, habitantes de um condomínio feliz de uma classe
média (alta? hum...não) que se impôs em Cascais-Estoril. Gentes conservadoras que querem
manter o que têm. Sem ondas, aproveitar os seu últimos anos de vida ao sol. Gentes
reformadas com reformas que lhes chegam.
Que não vêem o que não vislumbram. Que não querem saber do que não lhes surge no seu
horizonte. Limitado? Para eles e elas não. Chega-lhes bem o que querem ver. Assim podem
deturpar o todo, sem sentires de culpas.
Desculpas? Para a ignorância ou a indiferença?...
Ainda recordo com nostalgia, apesar das dificuldades económicas de então, os tempos em
que, então jovem, caminhava pelo paredão vazio nos sóis de outono ou chuvas de inverno,
podendo respirar e pensar sem tropeçar em ninguém.
Provavelmente nessa altura estas pessoas que hoje ali (re)encontro estariam a trabalhar em
empregos estatais “das 9 às 5”, retornando logo às suas pacatas e simpáticas vidas do sonho
português (ou americano) de então, em serões tranquilos. Agora, não passam fome e
apanham sol no paredão, e provavelmente apelidam de preguiçosos quem não vive como elas.
Dizem que não há fome, não. Pois não, há excessos: de mediocridade, de egoísmo, de falta de
empatia. Com aqueles e aquelas que não têm como usufruir o bom do sol do paredão. Nem da
chuva.
Cascais, 2015
Paulina Esteves
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